Por Bianca Figueira Santos, 49 anos, advogada
A viagem foi em dezembro de 2018, com essas mulheres fantásticas da Woman Trip. De início, confesso que fiquei nervosa e apreensiva, pois minha condição de mulher trans me impunha alguns desafios em ser acolhida e bem recebida pela agência e por minhas companheiras de viagem. A gente passa por poucas e boas e eu já senti na carne a dor do preconceito que me privou de várias oportunidades e realizações ao longo da vida. Pensei, diversas vezes, em desistir da ideia de conhecer o Egito e deixar de realizar meu sonho por isso. Mas a oportunidade se descortinava ali, na minha frente. Decidi relatar minha situação para Dandara, proprietária da agência, que foi quem fez contato comigo, respondendo minhas dúvidas sobre a viagem e sobre o roteiro. De pronto, ela tratou de me tranquilizar, disse que a agência ficaria honrada com minha participação na viagem e viabilizou minha estada no Egito com uma companheira de quarto com mentalidade super aberta e progressista, uma womantripper do Rio de Janeiro.
Mesmo assim, a apreensão persistia. A vida me ensinou a sempre ficar na defensiva e pronta para agir em situações adversas que pudesse enfrentar. A viagem em si já seria um desafio, pois a sociedade no Egito é bastante conservadora e, por vezes, preconceituosa com pessoas como eu. Sempre pesquiso esse tema antes de viajar, por cautela, por precaução, mas decidi enfrentar o desafio, motivada pelo sonho de vida que estaria se concretizando.
Travessia
Saí de Niterói, onde moro, encontrei minha companheira de viagem no aeroporto do Rio e seguimos. Ela não sabia sobre mim, ao menos eu não me preocupei em revelar nada, por hora. Fizemos escala em Casablanca, Marrocos, onde, devido ao tempo de cerca de 10h, tivemos a oferta pela companhia aérea de uma ligeira estada em um hotel próximo do aeroporto para descansarmos. Que nada, saímos, turistamos, conhecemos alguns locais rapidamente, como a mesquita Hassan II, e retornamos ao nosso voo para nosso destino final.
A chegada:
Chegamos de noite à terra dos faraós e seguimos para o hotel. No dia seguinte, acordamos e fomos encontrar as outras womantrippers. Todas já estavam fazendo balbúrdia na piscina daquele hotel maravilhoso que tinha como cenário as pirâmides do complexo de Gizé. Ao vislumbrar aqueles monumentos pontiagudos ao longe, rasgando o horizonte, fiquei em êxtase, era como se o mundo mágico e lúdico da minha infância se desvelasse para mim naquele instante. Por um momento, fiquei sem palavras, engoli seco e internalizei que havia conseguido e estava prestes a realizar aquele grande sonho. E tirei fotos, muitas fotos. Conheci as meninas e começamos nossa jornada feminina em terras egípcias.
O guia, um egípcio extremamente gentil e que falava Português, veio ao nosso encontro, conversou com todas, definiu nosso roteiro e partimos para nossa aventura. Pirâmides de Gizé, esfinge, passeios de camelo, compras, templos, um mais bonito que o outro. Tudo bastante preservado, imponentes, muita cultura, um banho de cultura, muita história, cada cenário absurdamente indescritível. Ficava imaginando como era a vida daquelas pessoas que viveram ali, há milhares de anos.
Revelar minha condição para a companheira de quarto
Chegou o momento de eu revelar minha condição para minha companheira de quarto, por honestidade mesmo, para eu me sentir tranquila com minha consciência e lhe dar oportunidade de, se fosse o caso, mudar de quarto. O que não foi preciso e nossa amizade só se fortaleceu. Ufa, que bom, fiquei aliviada. A viagem continuou.
Viajamos de avião para Luxor, conhecemos outros templos fantásticos, embarcamos em um navio para realizar um trecho da viagem navegando pelo rio Nilo, desembarcamos em Aswan, passeamos de charrete, passeamos de barco, conhecemos a Vila Núbia e seus crocodilos, passeamos de balão sobre o Vale dos Reis, visitamos tumbas, sarcófagos, pinturas, esculturas, algumas múmias e artefatos no museu do Cairo. Não posso esquecer dos guardiões dos templos que ficavam em nosso encalço para não filmarmos e fotografarmos, caso contrário, cobravam propina, e nos banheiros sempre tinha alguém para pedir uma gorjeta, mesmo homens, e tínhamos que pagar para não ficarem ofendidos e com a cara amarrada.
Viajar é estar em contato com outras realidades
Contávamos sempre, à nossa disposição, com uma van que nos levava a todos os lugares com motoristas muito educados e atenciosos. Ah, saímos também a noite nos barzinhos egípcios para tomar chá gelado de hibisco com amendoim e fumar narguilé; até demos um jeito de ficarmos em mesas do lado de fora dos bares, pois mulheres não podiam entrar nos botecos. Não havia bebidas alcoólicas à venda pela cidade, era vedado pelas leis egípcias, mas, no hotel, fazíamos nossos eventos embaladas com bastante vinho local e que até eram gostosos.
Fomos a Abu Simbel, à Alexandria, à Memphis, à Sakhara, fomos ao deserto e tantos outros lugares, tantas aventuras. Foram 13 dias bem vividos e usufruídos e, fora todos os passeios, fizemos uma bela e forte amizade que perdura até os dias atuais.
Sempre penso que nada nessa vida se dá ao acaso e que nosso encontro estava previsto, precisávamos nos encontrar e foi ali, naquelas terras de conto de fadas que nos brindou com aquele cenário indescritível e que, tenho certeza, marcou a vida e a história de cada mulher, naquela viagem de Dezembro de 2018. No final, eu até esqueci do nervosismo em razão da minha condição e acabei me tornando uma womantripper. As-Salamu Alaikum.